quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Anticristo

Já faz algum tempo que eu queria escrever sobre esse filme... Sempre faltava palavras. Não que agora eu tenha decifrado todo o enigma de Lars Von Trier, mas quero tentar.
Gosto muito desse cineasta maluco detestado por muitos. O primeiro filme seu que vi foi o musical "Dançando no escuro". Não sabia nada sobre ele, mas fiquei curiosa porque o filme tinha a cantora Bijork no elenco. Foi uma experiência traumática, mas ao mesmo tempo sensacional. Chorei como nunca tinha chorado antes vendo um filme. Precisei de um tempo para conseguir me acalmar depois que o filme acabou. Ao invés de fugir do cineasta, resolvi conhecer um pouco mais sobre ele e me surpreendi ainda mais.
Pra tentar entender um pouquinho mais de Lars Von Trier, é preciso primeiro saber que ele participou de um movimento artístico cinematográfico nos anos 90 chamado "Dogma 95", que surgiu em Copenhage, Dinamarca. Basicamente, eles buscavam um cinema mais realista e crítico e menos comercial. A cena deveria ser gravada sem efeitos especiais, os sons deveriam ser diretos e a câmera seria conduzida pelo próprio cineasta. Algo parecido aconteceu anos antes no Brasil, com o movimento chamado Cinema Novo, que teve Glauber Rocha como um de seus principais representantes. Glauber dizia que para se fazer cinema era necessário apenas uma "ideia na cabeça e uma câmera na mão".

Lars Von Trier não seguiu a risca o Dogma 95 por muito tempo, mas algumas dessas ideias ainda podem ser vistas em seus filmes que trazem muitas reflexões ao público. Ou seja, aqueles que encaram o cinema apenas como diversão e entretenimento devem passar longe de suas produções.

Mas vamos a Anticristo. Certamente terão spoilers no texto... além de algumas opiniões pessoais!


Mais uma vez o diretor divide a obra em capítulos ("Luto", "Dor", "Desespero" e "Os três mendigos"), mais um prólogo e um epílogo. O enredo em si é simples: um casal perdeu um filho e a esposa não aceita. Sente-se culpada. O marido, um terapeuta, decide ele mesmo tratar da esposa.
O que faz do filme tão denso é o modo como as cenas são realizadas, são os detalhes, os símbolos que ele apresenta que nos fazem pensar em razão, religião, moral...

No prólogo, filmado em preto-e-branco, com uma trilha sonora espetacular (Ave MAria de Händel) e cenas em câmera lenta, vemos o casal fazendo sexo de forma intensa e poética. Sim, isso mesmo: poética. Apesar das imagens serem bem explícitas, não é vulgar - isso, claro, pelo medo como foi filmada. Paralelo a isso, vemos a criança escapando do berço e indo em direção da janela. O menino cai enquanto os pais têm um orgasmo. Lindo e trágico.
Em seguida somos submetidos ao velho estilo Lars Von Trier de filmar: câmeras que "balançam", só o som da cena, sem efeitos (com alguns momentos de cenas mais artísticas, sempre simbólicas).


A loucura dessa mulher por sentir-se culpada pela morte do filho (lindamente mostrada no prólogo) vai a consumindo e é isso que vemos na tela, misturada a tentativa do marido em encontrar uma solução e a esposa não resistindo à culpa.
Em sua pesquisa, o marido procura descobrir o que a esposa teme, para que ela aprenda a lidar com o medo. Descobre que o que ela tema é a natureza, assim eles vão para uma cabana no meio da floresta chamada por eles de Éden. Lá, no meio da natureza, longe da civilização, isolados de tudo, a mulher começa a ficar cada vez mais violenta. Seria fruto da loucura ou de sua natureza maligna?

Alguns meses antes, ela tinha estado ali em Éden para tentar escrever sua tese. A criança esteve com ela durante esse tempo. Ela pesquisava sobre o sofrimento das mulheres medievais que eram acusadas de bruxaria, torturadas e mortas, muitas vezes, só por serem mulheres. Mas ao longo de sua pesquisa, ela chegou a conclusão de que talvez as mulheres realmente fossem realmente más: naturalmente malignas.
Em um momento do filme ela diz que é "a natureza que controla a mulher". Sendo assim, ela poderia não estar só enlouquecendo, mas despertando sua verdadeira natureza.
Outra questão que tem relação com isso, é o furor que essa mulher tem pelo sexo. Ela quer e quer sexo. Ele, em um momento, pede para que ela se afaste, pois precisa conseguir vê-la como uma paciente, mas ela não consegue resistir.

O sexo, para a igreja (que queimava as mulheres na idade média) é pecado. No filme, é a mulher que sempre vai atrás do marido pelo sexo. É ela a pecadora, a "Eva" que come a maçã, que não resiste à tentação. É durante o ato sexual que a criança morre. Além disso, a castração (baita cena forte, inclusive!) dos dois é algo que vem como a punição: ela não quer mais sentir prazer, já que o prazer é o que a torna pecadora. Foi pelo prazer que ela deixou o filho morrer (sim, há uma cena de flash back que insinua que ela viu o menino caminhando para a janela e não fez nada).
A mulher, é a que carrega o pecado (não vamos esquecer que o cristianismo, religião que domina o mundo ocidental, você goste ou não, é uma religião extremamente magista. Foi Eva, uma mulher, quem comeu a maçã. São as mulheres que são fracas, impuras e inferiores - não estou inventando nada... muito disso que disse está escrito na Bíblia). A mulher do filme nem tem nome. É "A" mulher.


O título do filme faz com que algumas pessoas pensem que se trata de um filme sobre possessões, sobre "o" anticristo. Mas notem que o título não tem o artigo. É apenas Anticristo.
Uma ipótese é que o tal anticristo é a natureza - tanto a natureza em sim: plantas, animais... como a nossa natureza humana pecadora.
Também pode ser uma postura ideológica do autor. Quem sabe um manifesto contra o cristianismo (sobretudo ao cristianismo opressor, machista, preconceituoso e manipulador).
Além disso, não podemos esquecer que Lars Von Trier é filho de ateus e que aos 12 anos ganhou de seus pais um exemplar de "O Anticristo" de Nietzche: uma declaração contra o cristianismo. Talvez o filme seja antirreligioso... tentando dizer pra gente que sexo não é pecado e que a mulher não é impura. E que é esse sentimento de culpa cristão o grande responsável por tantas tragédias.

O que acho meio estranho é que, até onde sei, Lars Von Trier se converteu ao cristianismo. Será que essa "conversão" faz parte de algum plano de parecer ainda mais polêmico?

Em entrevistas, ele contou que fez esse filme para se livrar de uma depressão (e ai resolveu passá-la pro público!) e que, por isso, considera o filme, um dos momentos mais importantes de sua vida e, o mais importante de sua carreira.

A atriz inglesa Charlotte Gainsbourg recebeu a Palma de Ouro em Cannes (2009) por sua ótima atuação - poxa, esse diretor realmente sabe fazer as atrizes renderem (várias outras atrizes de seus filmes receberam o mesmo prêmio).

Enfim, esse é um filme que deve ser visto. Muitos amaram, muitos odiaram. Acho bastante triste e até deprimente... mas bonito. É confuso dizer o que sinto por esse filme. Pra mim ele é lindo, poético, mas triste e deprimente. Me deixa triste. Mas eu gosto... porque me faz pensar na vida, na natureza humana, nos meus valores.
Acho que sempre vale a pena ver os filmes desse diretor maluco. Porque sim, ele é bem maluco, mas não podemos negar que o que ele faz é arte (lembremos que, nem sempre entendemos as obras de arte contemporâneas, mas elas sempre tem muuuuitas coisas pra nos dizer).

2 comentários:

Nathália Goulart. disse...

Faz anos que procuro um blog de alguém que seja apaixonada por filmes de terror como eu! Confesso que você já está na minha lista de favoritos aqui em cima, haha! Nunca assisti esse filme, e depois desse comentário, me bateu uma vontade gigantesca de assistir. Estou baixando agora, nesse exato instante. :)

Enfim, espero que você continue escrevendo e comentando sobre filmes de terror! rs. É dificil encontrar alguém que se interesse pelo velho e bom terror.
Super beijo.

Taciana disse...

Obrigada pela visita!
Seja sempre bem vinda por aqui!
Abraço!