Este é um dos “causos” que eu ouvia quando criança lá no interior. Os envolvidos juram de pé junto que é verdade. Mudarei o nome dos tais envolvidos por uma questão de privacidade.
Tinha um rapaz lá na minha cidade que se achava muito corajoso e, por esse motivo, seus amigos resolveram pregar-lhe uma peça. Não seria muito difícil, já que todos os dias ele levava sua namorada, que estudava à noite, pra casa e ela morava depois do cemitério. Ou seja, ele passava todos os dias na frente do cemitério. Na ida, com ela, mas na volta, sozinho – já que tinha que voltar pra sua casa que ficava no centro da cidade.
Alguns amigos seus que queria lhe pregar uma peça esconderam-se nos arbustos em frente ao portão do cemitério e, quando ele passava por lá, sozinho, fizeram ruídos. Mas o máximo que conseguiram de José foi que ele olhasse pra trás e falasse: “Mas vocês são bobos mesmo. Até parece que eu não iria reconhecer suas vozes!”. Os amigos saíram constrangidos. Talvez ele realmente fosse corajoso ou então, eles eram péssimos imitadores de fantasmas.
Depois de alguns dias os amigos de José planejaram outra pegadinha para assustá-lo. O plano era o seguinte: eles iriam esperar José no portão do cemitério e o desafiariam a entrar lá dentro e se deitar sobre um túmulo. Eles iriam junto para confirmar que o amigo realmente tinha se deitado. Mas o que não seria revelado a José é que dois primos de Luis, o arquiteto do plano, que tinham vindo passar uns dias por lá e que José não conhecia, já estariam lá dentro escondidos e, quando José se deitasse no túmulo, eles apareceriam fazendo ruídos fantasmagóricos. Certamente José ficaria com medo e, todos então desbancariam sua pose de corajoso.
No dia combinado, foram os quatro para o cemitério esperar por José: Luis e Baguá, os amigos que o desafiariam e, os dois primos de Luis. Ficaram de tocaia até verem José passar com a namorada. Sabiam que depois daquilo ainda teriam uns quinze minutos até ele aparecer ali de volta. Os dois rapazes se prepararam com os lençóis e pularam o muro do cemitério (ah sim, o portão estava fechado e era necessário pular o muro). Foram para trás de um mausoléu bem grande ao lado do túmulo combinado para o desafio e se esconderam. Um minuto depois apareceu José. Luis e Baguá o cumprimentaram e o desafiaram para entrar lá dentro. José topou na hora, rindo. Os três então pularam o muro e já estavam dentro do cemitério mal iluminado. Baguá se mostrava nervoso. Para ele não parecia uma boa idéia estar lá dentro a noite: “Estamos incomodando os mortos!”. Luis também estava um pouco tenso, mas sabia que as risadas que daria dali a pouco para desbancar o amigo fariam aquele sacrifício valer a pena.
“Agora pra provar pra gente que você é macho pra caramba, vai lá no túmulo com o anjinho e a cruz e deita... deita direitinho, com as pernas esticadas e tudo!”. José ficou meio receoso, mas concordou. Encaminhou-se ao tal túmulo, sentou-se e, quando ia se deitar ouviu alguma coisa. Os três ficaram atentos. José, corajoso que só ele, continuou seu ato de deitar-se até que uma voz que ele não conhecia falou baixinho: “Este lugar é meu. Você não tem o direito de deitar aqui!”. José se assustou, levantou correndo e foi em direção aos amigos que fingiam estar com medo. José correu entre eles e saltou o muro do cemitério, em disparada pela rua que leva ao centro da cidade. Os dois então riram, mas perceberam que os primos de Luis também vinham correndo, mas não eram dois, mas três vultos que vinham em sua direção. Os garotos tentaram pular o muro, mas não conseguiam. Cada vez mais os três vultos se aproximavam. Eles podiam ouvir as vozes dos dois rapazes de Minas gritando apavorados, mas não conseguiam saltar. Foram para perto do portão do cemitério para tentar abri-lo... mas não conseguiam. Quando os primos de Luis estavam chegando e o pânico já tomava conta dos dois, o portão misteriosamente se abriu. Os rapazes saíram correndo pela rua, sem olhar pra trás. Só puderam ouvir o barulho das grades se fechando.
Correram o máximo que puderam.
Nunca descobriram o que realmente aconteceu naquela noite, mas aprenderam que é preciso respeitar os mortos... e os amigos. Demoraram muito tempo para conseguir conversar sobre isso novamente. Sabe-se que José nunca mais foi amigo de Luis ou Baguá.
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